REFORMA POLÍTICA – A DITADURA DOS POLÍTICOS PROFISSIONAIS

PARTE 2

*Jorge Gregory

Inicio da década de 80, período da redemocratização, da campanha pelas Diretas-Já, lutávamos pela liberdade de organização partidária e pela legalização do Partido Comunista do Brasil. Ainda na clandestinidade e sem sede lá no Paraná, realizávamos nossas reuniões na casa do camarada Fusca e por vezes o pai dele, um velho caboclo mineiro, sentava num canto e ficava ouvindo nossa discussão sobre o tal partido. Certa feita, o seu Chico se intrometeu na conversa e perguntou: cêis tem vereador? Cêis tem deputado? Tem prefeito ou Governador? Num tem. Então cêis num são partido.

Pergunte para qualquer cidadão comum, não precisa ser exatamente das camadas mais populares, pode ser da classe média, o que acha do PCO. “P o quê?” provavelmente este cidadão vá perguntar. Partido Comunista Operário, você responde. Com certeza vira uma nova pergunta: “existe?”. E o PSTU? Bom, com relação ao PSTU, é mais comum as pessoas terem visto suas bandeiras na rua, especialmente em manifestações. Mas mesmo assim este cidadão é capaz de te responder o seguinte: “PSTU eu conheço, é um bando que fica gritando na rua e acha que é partido”. Para o senso comum, partido é quem tem representantes eleitos.

Portanto, para ser reconhecido como partido se faz necessário eleger candidatos. Para eleger candidatos, os processos eleitorais possuem suas regras. Para as eleições majoritárias (presidente, governadores e prefeitos), cada partido ou coligação lança o seu nome e a regra é: quem fizer mais votos ganha. Esta mesma regra vale para o Senado, pois embora esta seja uma câmara do poder legislativo, a mesma é considerada uma eleição majoritária. De qualquer forma, aqui o que vale é o nome e o prestígio do indivíduo. Mesmo no caso do Senado, nos anos de renovação de duas cadeiras por estado, os partidos não lançam chapas. São Eleitos os dois candidatos mais votados.

No caso das eleições chamadas proporcionais (vereadores e deputados), os partidos lancham chapas ou se coligam formando chapas em comum que, pela legislação atual, pode ser composta por um número de candidatos em até igual o dobro de cadeiras em disputa. A ocupação de cadeiras será feita na proporção da votação obtida por cada uma das chapas, calculada pela soma dos votos dos seus candidatos e votos na legenda. Se a soma da votação dos candidatos de um determinado partido corresponde a 40% do total de votos válidos, este partido irá ocupar 40% das cadeiras em disputa. Outro partido que obtenha 10% dos votos, irá ocupar 10% das cadeiras. Em outras palavras, para conquistar cada cadeira, seus candidatos necessitam conquistar uma determinada soma de votos. Este total de votos para cada cadeira chamamos de coeficiente eleitoral.

Ocorre, no entanto, que o eleitor não vota no partido. O voto é uninominal, ou seja, o eleitor escolhe um candidato e vota neste candidato. Os partidos, por sua vez, competindo pelas cadeiras, mais que programas, propostas, ideias, necessita de nomes que somem voto à legenda. O eleitor não vota em um programa, vota em um nome. Aqui está a mais perversa artimanha eleitoral, responsável pelas mais profundas distorções no nosso sistema político.

Nesta lógica eleitoral do nosso sistema, podemos classificar os candidatos nos seguintes grupos: 1) Políticos profissionais 2) Puxadores de votos 3) Candidatos com certa capilaridade social 4) Candidatos profissionais 5) Os somadores de votos iludidos.

Um observador mais atento, especialmente se gostar de estatística, vai perceber que o número de candidatos é algo em torno de 10 a 15 vezes o número de cadeiras. Ou seja, em média, para cada cadeira em disputa há entre 10 a 15 candidatos. Também irá perceber que cerca de um percentual entre 65% a 75% dos candidatos para qualquer legislativo já foram candidatos em duas, três, quatro ou mais eleições anteriores. Este contingente é representado por duas categorias: Políticos profissionais e Candidatos profissionais. O que nos interessa aqui são os políticos profissionais. Os papel dos demais grupos analisaremos em artigos posteriores.

Políticos profissionais são aqueles que estão, de alguma forma, profissionalizados para se dedicar em tempo integral, durante todo o intervalo entre uma eleição e outra, a organizar sua base eleitoral para disputar a eleição posterior. Este grupo é formado por parlamentares já eleitos que disputam a reeleição, assessores de parlamentares que disputarão outros níveis, ocupantes de cargos executivos eletivos, candidatos eleitos que passaram a ocupar cargos de confiança nos executivos e, por fim, candidatos não eleitos que passaram a ocupar cargos de confiança nos executivos. Estes serão os que efetivamente ocuparão praticamente a totalidades das cadeiras em disputa. Constituem um contingente que representa 10% a 15%  dos candidatos e, portanto, 2 a 4 vezes superior ao número de cadeiras em disputa. Portanto, eles estarão em disputa principalmente entre si e, para obter sucesso eleitoral, utilizam-se de uma série de artimanhas que o nosso sistema permite e que distorcem totalmente a vontade do eleitor.

Estas artimanhas serão objeto de análise de um próximo artigo. O que importa registrar aqui é que são estes políticos que manipulam e controlam o processo eleitoral. Na sua ampla maioria, uma vez que não possuem compromisso político ou ideológico algum e uma vez que disputam os mandatos entre si, pulam de um partido para outro, conforme lhes for mais conveniente a cada eleição. Os partidos, por sua vez, caso não joguem segundo estas regras não terão representantes no parlamento e, assim, acabam se submetendo a estes políticos profissionais.

Como estes políticos são os donos dos mandatos, sua atuação no parlamento pouco ou nada tem a ver com os programas dos partidos pelos quais foram eleitos. Portanto, é uma falácia esta história de que os partidos não possuem programas. O problema é que o sistema eleitoral permitiu a constituição de uma ditadura de políticos profissionais que tem compromisso única e exclusivamente com eles próprios. O mais grave é que a maioria das propostas de reforma política – especialmente as defendidas pela grande mídia, como o voto distrital e fim das coligações –, tem por objetivo único e exclusivo o de aprofundar e consolidar esta ditadura.

  • Jornalista, consultor educacional, ex-professor universitário.

REFORMA POLÍTICA – OS SISTEMAS ELEITORAIS DAS DEMOCRACIAS REPRESENTATIVAS E O MODELO BRASILEIRO

PARTE 1

Primeiro de uma série que pretendo escrever, este primeiro artigo, antes de aprofundarmos a discussão sobre a reforma política necessária, tem por objetivo esclarecer o que é sistema proporcional e sistema distrital e levar o leitor ao entendimento, do ponto de vista técnico, do modelo atual adotado atualmente no Brasil.

O tema da reforma política, que ganhou força nestes últimos dias em decorrência das manifestações massivas, na realidade não é assunto novo. Quando da redemocratização do país e a promulgação da Constituição de 1988, tivemos uma reforma política parcial onde conquistamos a liberdade de organização partidária e consequentemente o pluripartidarismo. Infelizmente, de resto, mantivemos o mesmo modelo da velha república e da ditadura militar, cuja característica principal é privilegiar o poder econômico das candidaturas proporcionais, o coronelismo e currais eleitorais, a distorção da vontade do eleitor e, consequentemente, a formação de legislativos marcados pelo fisiologismo, pela ação de grupos de interesse e corporações e não pela ação de partidos políticos e como resultado final, pelas crises de governabilidade.

Nas democracias representativas, dois sistemas eleitorais se desenvolveram: distrital e proporcional. No nosso caso, em que pese a Constituição afirmar que nosso sistema é proporcional, na verdade o que temos é uma verdadeira miscelânea entre um sistema e outro e penso ser este o motivo principal das distorções que temos.

A ocupação das cadeiras nos legislativos é feita segundo a proporção do total de votos recebidos por cada partido ou coligação, o que é uma característica do sistema proporcional. Uma câmara de vereadores com 20 cadeiras, por exemplo, em um município com 100 mil eleitores, três coligações (A,B e C) ou partidos concorrem com 40 candidatos cada. A soma dos votos dos 40 candidatos do partido/coligação A obtém 50 mil votos, a soma de B 30 mil e C 20 mil. No calculo de ocupação de cadeiras o partido/coligação A terá 10 vereadores eleitos, o B 6 e o C 4.

A primeira distorção ocorre no fato de que a forma de ocupação das cadeiras seja proporcional, o eleitor vota no indivíduo e não no partido, o que é chamado tecnicamente de voto uninominal. O voto uninominal, no entanto, é uma característica dos sistemas distritais, pois nestes são eleitos os candidatos mais votados e não se faz somas das votações dos candidatos de um mesmo partido. O sistema é majoritário e não proporcional. Portanto, aqui já temos caracterizado um sistema misto, meio proporcional e meio distrital.

O segundo aspecto que caracteriza o sistema distrital é que o eleitorado é dividido em distritos (áreas territoriais) e, como visto acima, os eleitores de cada distrito escolhem os seus representantes legislativos de forma majoritária (são eleitos exclusivamente os mais votados). Não há proporção de representatividade. A ocupação de cadeiras se dá por distrito (área geográfica eleitoral).

No sistema proporcional não há divisão territorial e os partidos apresentam os seus candidatos organizados em uma lista hierarquizada. O eleitor vota na lista e não em um candidato individualmente e a ocupação de cadeira se dá segundo a proporção de votos que cada partido recebeu.

O leitor poderia dizer que estou exagerando ao afirmar que nosso sistema eleitoral é uma miscelânea, pois nossas eleições não são divididas em distrito e que, portanto, a única semelhança de nosso sistema com o distrital é o fato de que o voto é uninominal (no indivíduo e não no partido). Para as assembleias legislativas e câmara de vereadores tal afirmação estaria correta, pois de fato o universo de eleitores não está dividido em áreas geográficas. No caso do legislativo federal, tal afirmação é um completo equivoco.

Em primeiro lugar, temos que lembrar que o legislativo federal é composto por duas câmaras: Senado e Câmara dos Deputados. Para o Senado, os senadores são eleitos pelo conjunto de eleitores de cada estado da federação, ou seja, cada estado se constitui em um grande distrito. Segundo, são eleitos tão simplesmente os candidatos mais votados, sendo, portanto, uma eleição majoritária. A eleição para o Senado, que é parte do poder legislativo federal é, portanto, exclusivamente distrital. Não há nenhuma característica do sistema proporcional.

Para a Câmara dos Deputados, o voto é uninominal (característica do sistema distrital) mas a ocupação de cadeiras se dá de forma proporcional (característica principal do sistema proporcional). Ocorre que para a eleição destes deputados, o calculo proporcional é feito para cada estado. Em outras palavras, o eleitorado está dividido em grandes distritos que são os estados de forma que os deputados, assim como os senadores representam regiões eleitorais.

Para encerrar este primeiro artigo, que busca dar um entendimento sobre os dois sistemas desenvolvidos nas democracias representativas, é necessário se afirmar que a diferença entre os dois não é meramente técnica. A diferença principal é conceitual.

No sistema distrital parte-se do pressuposto de que a representação é territorial, independente da composição social, político e ideológica da sociedade. Cada legislador representa uma região determinada. Assim, como tanto na Câmara Federal como no Senado, os eleitos representam regiões, conceitualmente temos um sistema predominantemente distrital, em que pese a Constituição afirmar que nosso sistema é proporcional.

No sistema proporcional, o princípio fundamental é que cada legislador representa segmentos da sociedade, respeitando a sua composição social, política e ideológica. Ou seja, uma vez garantida a liberdade de organização partidária, cada segmento se organiza em partido, disputa a eleição, e ocupa as cadeiras do legislativo segundo a sua representação social.

O lado facista da midia

Questionar as práticas dos grandes meios de comunicação e de seus jornalistas virou atentado à liberdade de imprensa. Os grandes meios de comunicação resolveram se instituir como um quarto poder e conferir aos seus porta-vozes absoluta imunidade. O fato é que no que diz respeito a um dos fundamentais principios da prática jornalística, a imparcialidade, já foi para o espaço há muito tempo. Veículos, seus jornalistas e articulistas já perderam totalmente a compostura. Apostaram todas as fichas no julgamento da Ação Penal 470 e, não tendo obtido o efeito popular que esperavam, passam a não ter o menor prurido em utilizar os métodos mais torpes e antiéticos de engajamento político.

Em primeiro lugar, é importante lembrar que o termo “mensalão” foi cunhado por Roberto Jefferson que afirmou à época que o PT, comandado por José Dirceu, pagava uma mensalidade regular a parlamentares da base governista em troca de apoio. Pois bem, comprovou-se que houve repasse de recursos à partidos da base aliada e isto não foi negado pelo PT. Este, em sua defesa, afirmou tratar-se de caixa 2 de campanhas eleitorais enquanto que o Ministério Público e os juízes do supremo assumiram a tese de que os repasses correspondiam a compra de votos no congresso para aprovação de temas de interesse do governo.

Ainda que frágil a tese, pois o único elemento que lhe dá sustentação é a proximidade de repasses com votações importantes, o que no meu entendimento se constitui em mera evidência e não em prova, foi o que o Supremo assumiu. O fato é que caixa 2 ou compra de votos, os elementos comprobatórios ou evidências, afastam por completo a teoria apresentada por Jefferson da existência de uma “mesada” regular, a qual denominou de mensalão.

O grande problemas para Veja, Globo e Estadão, é que ainda que tenham sido condenadas figuras eminentes do PT com Dirceu, Genuino e João Paulo, e ainda que não deixe de ser grave a existência de caixa 2 ou de compra de votos, isto apenas coloca o PT na vala comum dos demais partidos. Não serve para demonifica-lo. Pelo contrário, tais teses apenas colocam em pauta o próprio sistema político-eleitoral. Como afirmar que este foi o maior escândalo da história da República uma vez que há apenas 15 anos atrás o voto para aprovar a emenda constitucional que permitiu a reeleição de FHC custou 200 mil reais por cabeça, fato assumido pelo deputado Ronivon Santiago (PFL-AC). Qual a diferença entre um fato e outro, caso a tese do TSE, de compra de votos, seja verdadeira?

Se o crime do PT foi se utilizar de compra de votos para levar a cabo um projeto de poder, como teorizou o Ministro Ayres Britto, no caso da manipulação do congresso para a aprovação da emenda, isto também foi publicamente assumido por Sérgio Motta então ministro das comunicações de FHC e suposto articulador da compra de votos, ao afirmar que a aliança PSDB-PFL tratava-se de um projeto de poder de 20 anos. Talvez o  ministro do Supremo tenha se inspirado no Serjão para a formulação do “quatro quadruplicado”, o que ainda é menos que “quatro quintuplicado”, no caso do PSDB.

A questão que fica, é por que um fato foi apurado e outro não pelo Ministério Público? Por que um fato foi julgado pelo Supremo e outro não? Uma vez que o Supremo sustenta que se trata de um projeto de poder, o de 15 anos atrás não o foi tanto quanto?

Mas enfim, este é o tipo de polêmica que não interessa a grande mídia, pois não serve para isolar e demonificar o PT. Assim, continuará usando a expressão “mensalão” alcunhada por Jefferson, pois ela melhor se adequa a tentativa de incutir no imaginário popular de que se tratava de um esquema de benefícios pessoais e não de caixa 2 ou compra de votos.

Ironicamente é que apesar de todo o esforço dos meios de comunicação em detonar o núcleo de comando do PT, o que se mostrou nas eleições municipais foi exatamente o inverso. Ainda que a aliança PSDB-Demo tenha obtido algumas vitórias, a derrota em São Paulo detonou de vez o núcleo dirigente principal pessedebista e enterrou de vez uma de suas mais relevantes lideranças, José Serra. Por outro lado, Lula, a principal liderança petista sai fortalecida.

Ocorre, porém, que dois fatos novos surgem, para regozijo da trinca Veja, Globo e Estadão. O primeiro deles é que, no desespero de ter recebido a maior condenação, Marcos Valério se apresenta voluntáriamente ao Ministério Público para prestar novos depoimentos na esperança de obter benefício de delação premiada. Como bom publicitário, ardilosamente centra seu depoimento em que Lula supostamente teria auferido benefício pessoal. Ainda que o Ministério Público e a maioria dos ministros do Supremo vejam com grandes reservas tal depoimento, pela fragilidade das denúncias e da motivação, para a mídia ela tras um elemento bombástico: colocar o ex-presidente sob suspeição. Assim, ainda que nada se tenha apurado e que nada se venha a comprovar, tal depoimento continuará a ser explorado midiaticamente.

O segundo fato é a operação Porto Seguro, agora já rotulada de Rosegate pela Veja. O mais dramático deste segundo caso é que definitivamente se chegou ao fundo do poço, do ponto de vista da ética jornalística. O caso investigado trata de um bando de oportunistas de quinta categoria ocupando cargos de governo que cooptou uma chefe de gabinete desmiolada para usar sua influencia em troca de favores como passagens em cruzeiros e outros favores.

Obviamente que não se pode eximir de responsabilidade o ex-presidente por te-la nomeado e pela falta de vigilância quanto ao seu comportamento. Porém. insinuar, de forma velada como a Globo, chegar a publicar fotos montagens grotestas como o fez o colunista Ricardo Setti, da Veja, expor em telejornais tais fotos, para passar a idéia de que se tratava de uma relação extra conjugal entre Lula e a funcionária, foge a qualquer propósito. Fica patente o intuito de desmoralizar o ex-presidente a qualquer preço. Assim como no caso do julgamento se pretende deixar consolidado é que o mensalão, assim como descreveu Jefferson, existiu, se pretende destruir a imagem do Lula consolidando a idéia de que obteve benefício pessoal conforme acusa Valério, e que pulava a cerca no caso da Rosemary.

Afinal, como afirmava Joseph Goebbels, ministro da propaganda de Hitler, uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade. Imbecis para reproduzirem e repassarem qualquer besteira que encontram publicadas é o que infelizmente não falta. Já recebi mensagens de que o filho do Lula comprou desde propriedades da USP até terreno na Lua e que Rosemary carregou malas repletas de dinheiro para o exterior para depositar em contas do ex-presidente.

O fato é que as campanhas difamatórias e de falso moralismo, como a que temos a nossa frente, sempre foi a porta de entrada para os movimentos nazi-facistas. Assim, não me supreenderá se em breve a Veja, em coluio com as peruas da alta sociedade paulistana, não venham a convocar uma nova marcha da família, com deus pela liberdade.

Por outro lado, mais cuidado e critérios nas ocupações de cargos por parte do PT, não faria nada mal.

Doença da mentira

Pessoas acometidas de pseudolalia, uma doença psicológica, mentem compulsivamente e perdem a noção do que é verdade ou não. Passam a acreditar que suas mentiras são as mais genuínas e puras verdades.

Durante todo o processo de julgamento do mensalão, ao assistir o Bom Dia Brasil, escutava Alexandre Garcia falar em comoção social, sede de justiça da sociedade brasileira, como se a população tivesse ido às ruas exigindo do Supremo a condenação dos envolvidos. Mais recentemente, já na fase da dosimetria do julgamento, Zileide Silva se dirige a Alexandre Garcia mais ou menos com a seguinte afirmação: “estamos chegando ao final deste julgamento que a população acompanhou como se fosse uma novela, sempre ansiosa para ver o que aconteceria no próximo capítulo”.

Passei então a observar o comportamento das pessoas nos mais diferentes locais que frequento e cheguei a seguinte conclusão: ou os dois jornalista estão sofrendo de pesoudolalia ou eu estou sofrendo de alucinação pois, francamente, o que vi foram pessoas mais interessadas no desfecho do julgamento do Bruno do que do mensalão.

Penso que tal percepção não tenha sido exclusivamente minha. Não foram poucos os tucanos e demistas esbravejando nas redes sociais chamando o povo de frouxo, porque não tomava as ruas exigindo punição exemplar dos envolvidos.

Por maior que tenha sido o esforço da grande imprensa, em especial da Veja e da Globo em tentar promover uma revolta social contra o PT e mais especificamente contra a figura do Lula, seu intento se viu frustrado, ainda que o STF tenha imprimido pesadas penas aos réus do processo. Penso que alguns fatores objetivos determinam este fracasso.

O primeiro deles, diz respeito a situação do país. O Brasil, nestes últimos 10 anos, ainda que enfrentando duas grandes crises econômicas mundias, e ainda que não crescendo nos percentuais chineses, manteve a economia estável, diminuiu o desemprego, milhões sairam da condição de miséria e a classe média cresceu significativamente.

Ainda que as práticas utilizada pelo PT para assegurar uma maioria parlamentar no início do primeiro governo provoquem indignação na população, esta tem clareza também que a opção tucana-demista é um desastre. Ao contrário do que afirma Arnaldo Jabor, outro pseudolalico, não é o que o governo petista herdou de FHC que deu certo. Somente quem acredita nas próprias mentiras não é capaz de lembrar que o governo tucano entregou o país a beira da falência, explosão do desemprego, taxas de juros nas órbitas, dólar acima de 3 reais, endividamento em níveis absurdos  e a economia às voltas com a recessão. O que Lula herdou de FHC foi aquilo que impediu que a economia do país deslanchasse.

O fato é que, ainda que cause certa dose de indignação, a população já está suficientemente escaldada para perceber que o fisiologismo e outras práticas políticas não menos deploráveis não é um problema exclusivo do PT. Esta é questão que está encrustada no modelo político eleitoral e que somente, no mínimo, uma profunda reforma político-eleitoral seria capaz de quebrar com esta lógica. Ocorre que à esquerda não há um consenso a respeito, de forma que não se apresenta uma perspectiva, de imediato, para a sociedade.

À direita, e aos grandes meios de comunicação, obviamente que não interessa qualquer reforma no campo político, pois este modelo lhes interessa. Dessa forma, não lhes resta outra alternativa senão procurar desconstruir a imagem do Lula do ponto de vista moral e ético. Ocorre que neste campo, a moral e a ética da aliança tucano-demista está muito abaixo do PT, ainda que alguns companheiros do PT deem munição para a direita. Assim, restou aos monopólios de comunicação, especialmente a Veja, se constituir no grande porta voz da direita reacionária, utilizando-se até mesmo da associação a quadrilhas criminosas para promover esta desconstrução. A preocupação é o que farão quando perceberem que suas mentiras não correspondem à realidade.

Valiosos ensinamentos dos ministros do STF

Penso que pelo menos duas teses apresentadas nas justificativas de voto dos ministros do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do núcleo político do chamado “mensalão”, merecem uma análise mais detalhada. São elas a da ministra Carmem Lúcia e a outra, a do presidente da Corte, o ministro Ayres Brito.

Sentenciou a ministra Carmem Lúcia que “Alguém afirmar que houve ilícito com a tranquilidade que se fez aqui é algo inédito em minha vida profissional. É como se o ilícito fosse uma coisa normal e pudesse ser assumido com tranquilidade”, referindo-se à tese da defesa, de que os repasses de recursos objeto do julgamento referiam-se a caixa 2.

Em primeiro lugar, devo dizer que, em que pese não atuar na área jurídica e muito menos ter o hábito de acompanhar julgamentos, me parece algo absolutamente normal e de certa forma corriqueiro, quando acusado e defensor concluem que esta é a melhor estratégia de defesa, assumirem a prática do ilícito. Assim, fico pensando onde a eminente ministra exerceu a sua vida profissional para chegar a Suprema Corte, uma vez que nunca se defrontou com tal tipo de situação. Portanto, se a ministra se mostrou surpresa com tal estratégia de defesa, mais surpreso fico eu ao tê-la escutado afirmar que isto era algo inédito em sua vida profissional.

De qualquer forma, duas teses se confrontaram neste processo. A da defesa, de que o repasse de recursos do PT a outros partidos referiam-se a financiamento de campanhas eleitorais com recursos não declarados (caixa 2), e a da acusação, assumida pela corte, de que os repasses referiam-se a compra de apoio político por parte do partido governista (o PT) no Congresso. Não posso deixar de concordar que ambas as práticas são imorais e ilícitas, mas também não posso deixar de perceber no mínimo ingenuidade por parte da ministra.

Convenhamos, financiamentos ilegais de campanhas como também o fisiologismo parecem ser uma praga que persegue e é quase inerente ao que conhecemos como democracia representativa no mundo capitalista. Nem mesmo a rigorosidade moral oriental nos impediu de ver quedas de primeiro ministro no Japão, envolvidos em escândalos de corrupção. Da mesma maneira, o status de primeiro mundo também não livrou a Itália de um Berlusconi, ou livrou os Estados Unidos de congressistas com campanhas financiadas ilegalmente por grandes grupos econômicos ou que negociam seus votos nos parlamentos em troca de favores ou recursos. Não é, portanto, um privilégio de nossa política esta deturpação moral. Talvez o que diferencie os nossos corruptos e fisiológicos dos do primeiro mundo seja a mesma diferença que existe entre um brinquedo de criança e um brinquedo de adulto, ou seja, o preço.

Também não é novidade na política brasileira o exercício dessas práticas. Talvez elas sejam tão antigas em nosso país quanto o Brasil enquanto estado independente. Na política recente, o que dizer da negociatas que levaram a aprovação da emenda constitucional que possibilitou a reeleição de Presidente da República, no governo de Fernando Henrique Cardoso?

Não quero aqui induzir que se deva assumir como normal tais práticas anômalas, mas simplesmente demonstrar que elas estão entranhadas em nosso sistema. Assim, já que estão desenvolvendo teses para os holofotes da imprensa, que tomaram conta do julgamento, os senhores ministros poderiam, pelo menos, contribuir para o debate de uma reforma política que há muito se faz necessária no Brasil.

A contribuição que veio, no entanto, foi a pior possível e logo do presidente da Corte. Justificou o seu voto, o ministro, afirmando que “Claro que o objetivo não era corromper, mas acumular recursos. Me parece  que os autos dão conta, que sob a velha, matreira e renitente inspiração patrimonialista, um projeto de poder foi arquitetado. Não de governo, porque projeto de governo é lícito, é quadrienal. Mas um projeto de poder que vai muito mais de um quadriênio quadruplicado. Um projeto de poder que, muito mais do que continuidade administrativa, é seca e razamente continuísmo governamental. Golpe, portanto, neste conteúdo mais eminente da democracia, que é a república”.

Entendi mal, ou o Ministro afirmou aqui que crime é o fato de que os denunciados tinham em mente um projeto de poder?

Que eu saiba, ou terei que rever todos os meus conhecimentos a respeito do estado de direito e democracia representativa, a disputa pelo poder é algo absolutamente legítimo, legal e de direito. Salvo o senhor Ayres Britto me convença do contrário, para exercer este direito, as partes sociais se organizam em partidos para formular os seus projetos de poder e para colocá-los em disputa na sociedade.

Seguindo o raciocínio do presidente da Corte, se formular projeto de poder é crime, consequentemente teremos que caracterizar partidos políticos como quadrilhas, ou seja, organizações para a prática de crime. Fico pensando se tais absurdas afirmações são de fato o pensamento do ministro, ou se o mesmo foi mordido pela mosca do estrelismo e esperava, com tal raciocínio, também uma capa da Veja em reconhecimento ao seu último ato de carreira. Se era a capa da Veja que o ministro esperava, gostaria de lembrá-lo que para esta revista, ter projeto de poder não é crime. Crime, para a mesma, é a esquerda pensar que pode exercer o poder.

Jorge Gregory

Jornalista e consultor educacional

A ética da Veja: ensinamentos de jornalismo ou de hipocrisia

Na condição de ex-professor de jornalismo, mais especificamente da disciplina de Planejamento Editorial, tive a paciência de ler por diversas vezes o artigo do diretor de redação da revista VEJA, Eurípedes Alcântara, intitulado “Ética jornalistica: uma reflexão permanente”, onde procura justificar a relação do veículo com Carlinhos Cachoeira. Poderiamos escrever uma tese para demonstrar que longe de nos oferecer ensinamentos de jornalismo e ética, o referido diretor nos agracia com uma verdadeira aula de hipocrisia. Nos basta, porém, analisar exclusivamente o argumento principal de Alcântara para confirmamos esta hipótese.

Para justificar a relação do veículo com o referido personagem, o senhor Eurípedes usa como alicerce para o seu texto a afirmação de que “o ensinamento para o bom jornalismo é claro: maus cidadãos podem, em muitos casos, ser portadores de boas informações”. Para sustentar a sua tese, o mesmo faz uma analogia de tal situação com a de um conhecido intrumento judicial, afirmando que “um assassino que revela na cadeia um plano para assassinar o presidente da República é possuidor de uma informação de interesse público – e pelo mecanismo da delação premiada ele pode ter sua pena atenuada ao dar uma informação que impeça um crime ainda pior do que o cometido por ele. Portanto, temos aqui uma situação em que a informação é de qualidade e o informante não, por ser um assassino”. Desta forma, o diretor da Veja procura nos convencer de que o relacionamento do veículo com Cachoeira foi ético e que a revista visava exclusivamente o interesse público.

De imediato, não podemos prosseguir sem deixar claro que a concessão do benefício da delação premiada compete exclusivamente ao poder judiciário, e não a quaquer policial e muito menos a um jornalista ou veículo de imprensa. Faz-se necessário esclarecermos também que tal benefício só pode ser concedido a indivíduo que não só se dispõe a delatar, mas que também demonstre arrempendimento de seus crimes e que ofereça garantias de abandono da atividade criminosa. A mesma é firmada por escrito e na forma de contrato.

Fica claro, portanto, para qualquer pessoa com um mínimo de inteligência, que a analogia proposta por Eurípedes Alcântara é absolutamente descabida. Mas uma vez que a mesma foi feita, podemos utilizá-la para aprofundar a demonstração de o quanto é hipócrita a argumentação do referido diretor.

Suponhamos que um determinado criminoso procure um juiz ou promotor e se disponha a delatar um rival, oferendo provas da atividade criminosa. A condição da delação proposta é a de que, caso venha a ocupar a atividade criminosa deste rival, não será denunciado ou perseguido por este juiz ou promotor. Convenhamos, não é preciso ser jurista para afirmar categoricamente que tal juiz ou promotor que aceite referida proposta estará se associando ao crime, tornando-se criminoso tanto quanto o delator ou delatado. Não há a menor margem para que os mesmos afirmem que agiram na defesa do interesse público aceitando tal pacto.

Sobre a figura de Carlinhos Cachoeira, a quem a grande imprensa rotula de “contraventor”, há muito é de conhecimento público que suas atividades vão da operação de jogos de azar (contravenção propriamente dita) ao aliciamento de agentes públicos para fraudes licitatórias (crime), passando por todos os tipos de atividades ilegais entre estes dois extremos. Em resumo, fosse “The Godfather” uma obra brasileira e recente, não seria exagero afirmar que Mario Puzo se inspirou no Cachoeira para criar os personagens Vito e Michael Corleone.

Desde a reportagem em 2005, que desencadeou a crise do mensalão, é de conhecimento público que o flagra no Maurício Marinho foi armado e fornecido à Veja por funcionários de Cachoeira e que o objetivo dos mesmos foi o de retomar o espaço que haviam perdido nos correios para fraudes e outros crimes. Também fica claro hoje, a partir do vazamento dos telefonemas entre Cachoeira e jornalistas da revista, que praticamente todas as reportagens publicadas pela Veja envolvendo corrupção no governo federal tiveram por fonte o “contraventor”. Mais, que todas as informações fornecidas pelo “contraventor” ao semanário tinham por objetivo remover obstáculos ou rivais de posições públicas para ocupar espaços para suas atividades criminosas. As gravações mostram que Cachoeira inclusive influenciava a revista sobre a melhor ocasião e forma de publicar as suas denúncias.

Alguém deve estar se perguntando se os editores da revista são tão ingênuos, ou até mesmo imbecis, a ponto de não perceberem que foram instrumento da atividade criminosa do senhor Carlinhos Cachoeira nestes últimos sete ou oito anos. Obviamente que não. Tinham plena e total consciência de que estavam se associando a atividade criminosa.
Estaria eu afirmando que a revista Veja operava também com ações de fraudes em parceria com o Cachoeira?

Não, pois não acredito nesta hipótese.

Como é possível então explicar esta associação ao crime por parte da revista?

Carlinhos Cachoeira não tem cor política, partidária ou ideológia. Entre outras atividades criminosas, atua em todos os níveis dos poderes públicos, independente de que quem esteja no poder seja vermelho, amarelo, laranja, verde, roxo ou preto. Quando queria detonar algum esquema rival que atuava em um governo de uma cor, usava um determinado meio, quando queria detonar um rival que atuava em um governo de outra cor, usava a revista Veja.

Para a Veja, pouco importava se o esquema de Carlinhos Cachoeira iria roubar mais, menos ou igual àqueles a quem a revista estava detonando no interesse do “contraventor”. O que interessava é que sua associação ao criminoso lhe fornecia artilharia contra os inimigos de seus aliados políticos. Em síntese, esta é a lógica da associação promiscua e criminosa entre as partes.

Assim, seria mais produtivo ao senhor Eurípedes Alcântara, ao invés de tentar nos dar uma aula de boas práticas jornalísticas para justificar a relação da Veja com Cachoeira, simplesmente afirmar que a ética da revista é a mesma de Franklin Roosevelt. Certa feita um assessor do ex-presidente norte-americano o questionou sobre sua aliança com o saguinário ditador nicaraguense Anastácio Somoza, afirmando que o mesmo não passava de um “son of a bitch”. Roosevelt respondeu de bate-pronto que “he´s a son of a bitch, but he´s our son of a bitch”.

No mínimo seria menos hipócrita.